quarta-feira, 1 de julho de 2009

BLAME IT ON THE BOOGIE

Foto: tirada na Rock'n Roll exhibition da revista Rock Archive na Carnaby Street Gallery (Londres) em outubro/2008, por indicação da Ju Decanine

Este post é obviamente dedicado ao Michael Jackson, cuja passagem pelo planeta, acredito, may help us "Heal the world, make it a better place, for you and for me."*


Quando eu estava no colegial ainda respondia que era católica ao ser perguntada sobre minha religião e ficava um pouco impressionada com uma amiga que dizia “eu não sou nada, porque meu pai é judeu e minha mãe católica, então nenhum dos dois impôs a sua crença”. Falava com o maior orgulho, como quem pode mostrar que tem uma certa independência, que pode escolher. Então escolhe, ué, eu pensava. Sem uma é que não dá para ficar, oras.

Tenho fé em muita coisa, a diferença é que não consigo mais enquadrar ou dar nomes às minhas múltiplas crenças (e descrenças) e nem atribuir a certos intermediários o meu único possível contato com o mundo abstrato. Por que é que simplesmente não se pode encontrar ‘Deus’ em outras coisas, menos óbvias e menos fantasiadas de religião? O que impede o ser humano de ver beleza e divindade em coisas corriqueiras, na natureza, nele mesmo? E, melhor ainda, por que eu não posso eleger interlocutores que eu acredito que merecem a minha credibilidade? Gente que tem cara de quem guarda um segredo, que parece saber demais e tenta contar pros outros, mas nem sempre é compreendido. Pois é, por isso é que eu gosto de arte. Eu vejo na arte um bocado de coisa ‘divina’, vejo a superação do humano, a conexão com o ‘outro lado’, ou como queira chamar. É isso o que a inspiração significa, não? Você pode até argumentar que talvez eu esteja exagerando um bocado e rebater dizendo que não só os artistas são capazes de acessar essa abstração toda. A crítica é válida, existem outras formas de se conectar com mundo não-físico (matemática, filosofia, meditação, que tal?). “Ta legal, eu aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim” **. No caso da música, por exemplo. Você há de convir que mesmo quem não produz nenhum tipo de arte, nem um origamizinho que seja, necessariamente a consome. Por isso ela constrói meu melhor argumento. Se você concordar pelo menos com isso pode continuar lendo.

Muitas vezes, mesmo não entendendo nada de partituras, cheguei a pensar que a combinação de notas musicais pudesse beirar a mágica ou, pra combinar com o assunto, beirar o divino. Ou que é de fato algo divino mesmo. Eu não toco nada, larguei muito cedo as aulas de violão contra a vontade do meu pai, que avisou "se há algo de que me arrependi na vida foi não ter aprendido um instrumento". Mas pretendo aprender, a partir de agora. Que sejam o pandeiro e uma pick-up de DJ, de alguma forma vou ter que me envolver com música mais do que simplesmente aplaudi-la (ta aí mais um projeto pessoal que Londres me ensinou a buscar). Meu caso de amor com a música justifica tentar defendê-la como a mais divina de todas as artes. Seus compositores, intérpretes e instrumentistas, nesse contexto, poderiam então ser chamados de mestres, vou me referir a eles assim. Se você conseguir enxergar Jesus Cristo como um grande comunicador e um cara que sacou que a divindade está no humano (“somos todos filhos do mesmo Pai”), por que não dar crédito a outros mestres, tão humanos quanto ele, e tão capazes de criar quanto Ele?

Caramba, Bethoven. Quem explica um fenômeno desse? Um cara que sente música, que não escuta. Não deve haver melhor exemplo de inspiração que o dele. Veja o John Lennon, num outro contexto, em sua fase solo. Pra mim era uma espécie de ser do outro mundo, em passagem breve pelo planetinha e com pouca paciência, mas uma missão importante: provocar auto-reflexão num país que era muito seguro de si e que tinha mania de impor regras ao mundo. Quarenta anos depois é que se vê algum efeito do seu recado, a escolha do Obama ta aí pra provar. Outro dia eu estava na biblioteca estudando, meio desesperada em véspera de prova, sem muito tempo pra ler tudo o que deveria, mas mesmo assim me rendendo ao sono, que era inevitável. A consciência, com pressa, brigava com o corpo, já exausto. Estava de verdade quase dormindo em cima do livro quando, pelo fone de ouvido, levei um chacoalhão: “Time is on my side”. Era o Mick Jagger... “yes it is” ele insistiu! Dei um sorriso de canto de boca, acordei e voltei a ler. Quer dizer, voltei a pensar na vida. Esses caras estão me dando informação o tempo todo, estão há séculos trazendo pro plano mundano recados preciosos de como se deve levar a vida, o que dá certo e o que não dá, entregando o caminho das pedras. Não dá pra só colecionar CDs ou chacoalhar o esqueleto em baladas noite a fora. A Elis Regina, pensa bem. Ta pra nascer cantora que coloque tão evidente tristeza na interpretação das canções. Ela cantando “Atrás da Porta”, do Chico, é uma cena inesquecível da minha infância (em videotape, que fique claro). Obviamente não era exemplo de mãe, errou pra caramba, mas deu um monte de recado nesse meio tempo. Parece que a Pimentinha sentia as dores do mundo enquanto dava conta da sua arte. Talvez só Edith Piaf fizesse coisa parecida, embora essa não chorasse no palco e sim nas entrelinhas melódicas. Sofreu como um cão, mas fez questão de reforçar até o fim “non, je ne regrette rien” (eu não me arrependo!). Uma bela lição de comportamento pra quem vive de passado e tem o mau hábito de remoer os erros. Agora, veja o Paulinho da Viola, levando em conta que o samba é, por definição, alegre e triste ao mesmo tempo. Paulinho escuto tanto quando to muito feliz como quando to de bode e ele parece me causar efeito nos dois momentos. “Ame.
Seja como for.
Sem medo de sofrer.
Pintou desilusão,
não tenha medo não,
o tempo poderá lhe dizer.
Que tudo,
traz alguma dor.
E o bem de revelar que tal felicidade, sempre tão fugaz, a gente tem que conquistar” (Ame). Bota um ritmo de tango aí e você entra em depressão, mas deixa o samba no lugar e vai ver que dá pra pular carnaval. Ah, Tom e Vinícius. O primeiro era tão bem resolvido que nem sei o que veio fazer na Terra, só pode ter vindo de férias merecidas para o Rio de Janeiro paradisíaco dos anos dourados. “A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar. Voa tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar” (A Felicidade). Quem precisa de filosofia quando a melhor explicação para a efemeridade da tal felicidade ta entregue de bandeja, em uma única estrofe? Aliás, vida acadêmica pra quê, se dá pra compreender o mundo prestando atenção a alguém como Vinícius. Esse largou a diplomacia não foi à toa. “Coitado do homem que cai no canto de Ossanha traidor, coitado do homem que vai atrás de mandinga de amor” (Canto de Ossanha). O maior mulherengo da sua geração, ele próprio, admitindo que sabe onde tem perdição mas mesmo assim paga pra ver. Lição número 1 da cartilha de como entender os homens. Pra quê manter um cara desses a serviço do Itamaraty? Que desperdício. Do Chico Buarque então, o meu favorito, não posso citar nenhuma ou teria que citar todas, absolutamente todas. Vou lembrar apenas a minha frase favoritíssima, a melhor explicação do que só quem é brasileiro entende: "E um dia, afinal, tinham direito a uma alegria fugaz, uma ofegante epidemia que se chamava carnaval" (Vai Passar). Adoro, é a redenção dos pecados pra todo e qualquer mortal, sem preconceito, o direito ao carnaval! E nem precisa nascer em berço de ouro pra ter credibilidade como o Chico, veja o caso do Jorge Ben e do Tim Maia, que, diziam, passavam mais tempo fora de si que em plena consciência dos atos. Eles mesmos poderiam despertar em você respostas que dez anos de terapia não resolveriam. Duvido que alguém não altere seu estado de espírito ao som de ‘Taj Mahal’ e ‘Mas que nada’, mesmo que as letras não sejam tão obviamente profundas. E o Tim Maia até que deu um recado bem direto, avisou: “Se o mundo inteiro me pudesse ouvir, tenho muito pra contar, dizer que aprendi” (Azul da Cor do Mar). Pronto, meu argumento encontrou uma prova.

Eu poderia citar milhões de exemplos aqui, mas você vai querer fazer esse exercício sozinho, e com as suas músicas favoritas. Se até aqui eu ainda não tiver te convencido vou usar minha última carta: repare que música é uma das raras coisa no mundo que tem unanimidade na preferência das pessoas. Já ouviu falar de alguém que tenha declarado não gostar tanto assim de música? Então, a teoria se aplica a toda a população mundial, eu arriscaria dizer. Por isso, se você perceber que é incondicionalmente feliz nos minutos em que dura uma canção, que abandona a coordenação motora em pista de dança, que dobra sua velocidade de corrida escutando seu iPod na academia, que perde a voz em show de rock ou faz milagre com os pés quando toca aquele samba, você não ta louco. Você ta entendendo o recado. "Se eu sou muito louco por eu ser feliz, mais louco é quem me diz" ***. Então, just “Blame it on the boogie” ****, como fez o, agora saudoso, Michael, e curta o seu momento divino.

Aquele abraço.*****

P.S.: A Ju avisou que post com mais de 3 parágrafos tem que evitar porque fica com cara de artigo, mas é que foi difícil resistir à música dessa vez. Desculpaê.

* Michael Jackson, 'Heal the World'

** Paulinho da Viola, 'Argumento'

*** Raul Seixas, 'Balada do Louco'

**** Michael Jackson, 'Blame it on the Boogie'

***** Gilberto Gil, 'Aquele Abraço', uma contribuição da Paula Valério pra fechar com chave de ouro.


11 comentários:

  1. Paulinha!! Australianos não ouvem música... nso há música nas ruas! Dá pra acreditar? Como vc está? bjinohs querida!!!

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  2. Isso é um artigo Pa.
    TEU MELHOR POST!
    Tô arrepiada.

    Você me conhece, então pode imaginar como estou depois de ler um 'artigo' desses.

    Meu você é muuuuuito foda.
    Amo-te!

    Agora vou cantando 'Ahhhh... quando bate uma saudade, triste, carregado de emoção.'

    ;)

    Beijos, Paulinha

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  3. Arrebentou.
    Tenho certeza de que faz parte da sua tese de mestrado, rs! Porque se não for, é um desperdício tamanha e tão boa análise.
    E parafraseando o mestre Chico, canto o verso: "Essa moça tá diferente".

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  4. Isso que é iluminação. Nos dá um felicidade em esvaziar as coisas e enche-nos de paz.

    Amo-te

    Demais

    Bjos

    Gui

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  5. so I say thank u for the music....=)
    u rock
    e qnd voltar podemos aprender violão juntos.
    bjo

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  6. Acho que vc acaba de revelar o segredo do seu astral, mantido a base de conexões divinas com a música! Salve Paulinha, percussionista nata, amante do samba, ipod impecável, só não te perdôo por gostar de Ivan Lins, hahaha!
    Beijos.

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  7. Amiga, sou sua fã! Demorou pra vc ter um blog!EU SOU "incondicionalmente feliz nos minutos que dura uma canção"!
    Sabe quem não é? O colunista Diogo Mainardi...Ele falou em entrevista na Gabi há muito tempo...fiquei chocada, por isso ficou marcado!
    beijos
    dri tenuta

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  8. PIPA, SOU SEU FÃ MAIOR!
    BEIJOOO.OOO.OOO.OOO.OOO,OOS...

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  9. Vc é FODA! tks por me ensinar tanto sobre a vida! bjs, zuzu.

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  10. adoreeeeeeei!
    você é única!
    beijo tatu!
    Nanda

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