terça-feira, 13 de outubro de 2009

BERLIM, LITUÂNIA


A capital alemã e o país báltico têm mais em comum do que pode soar numa primeira impressão. E a relação é simples: o resquício do socialismo. Me perguntaram o que eu achei dessas viagens e, de tanto relatar as impressões, acabei encontrando um traço forte em ambos: os contrastes.

Enquanto Berlim foi uma cidade literalmente dividida em ocidental e oriental (quase 30 anos de muro), a Lituânia foi parte da União Soviética por 50 anos. Hoje essa história ainda é muito presente, tanto na paisagem quanto no comportamento das pessoas. Primeiro, em ambas a gente encontra um monte daquelas mulheres loiras de cabelo curto e com postura meio masculina, denotando uma independência e uma força que pareceu ser questão de sobrevivência em tempos comunas. Duras, sérias, objetivas e bem pouco vaidosas, elas são um exemplo vivo e ambulante de como deve ter sido repressor e castrador o tempo da presença soviética. Em Berlim, particularmente, é curioso mas ao mesmo tempo encantador o contraste entre o ex lado oriental e o ex lado ocidental: o primeiro é charmoso, peculiar e livre, enquanto que o segundo lembra o centro comercial de Londres... boring, sem novidade. Impressiona, no ex lado oriental, como o espaço urbano é tomado de arte, grafites nos muros, casas abandonadas viraram reduto de artistas independentes expondo suas obras e nas ruas é raro ver duas pessoas vestidas com peças parecidas: tudo é muito criativo e um tanto subversivo. Acho até que uma comparação válida é dizer que a Berlim de hoje abriga a mesma ousadia e novidade que houve em Londres durante o movimento punk, na década de 70. Mas ao mesmo tempo, paira no ar uma aura 'nazi', como se alguma força invisível ainda nos observasse, tipo o Big Brother de 1984 (George Orwell). Estranho, amedrontador e fascinante ao mesmo tempo. Já em várias cidades da Lituânia o contraste não é nem sutil, é bem óbvio e agressivo. Casas antigas tradicionais são de madeira e pintadas em diversas cores, dando ao lugar a ambientação das histórias infantis que nos contaram, como Chapeuzinho Vermelho ou Branca de Neve, com raposa, esquilo, cogumelo e blue berry (um tanto esquisito para crianças tropicais). Mas logo ali do outro lado da rua tem prédios feios, duros, austeros e caindo aos pedaços, da época da URSS. Ficou claro que os soviéticos impuseram o que é feio, triste e indiferenciado. Pena. Duas religiões dividem o espaço físico através da presença massiva de seus templos: Católica Romana e Cristã Ortodoxa Russa, além da presença de mesquita e sinagoga. A Católica, curiosamente, tem muitas imagens de Cristo acompanhadas de entidades pagãs, uma loucura. Aliás, o paganismo é muito coerente num lugar que ainda hoje tem cerca de 30% de cobertura florestal, onde a ligação com a natureza é fortíssima. É um país de fazendeiros de subsistência e, arrisco dizer, de bruxas, já que a presença do feminino nessas religiões é bem marcante (lembre-se de que as grandes religiões monoteístas abafam a energia feminina, são machistas). Na capital, Vilnus, parece que as meninas, dessa vez bem diferentes daquelas de cabelo curto sem vaidade, estão ostentando com orgulho a liberdade de ser loira, alta, linda e patricinha.

Enquanto me perguntei porque o espírito comunista ainda sobrevive em alguns hábitos e no espaço público, deduzi que deve ser difícil para aquelas pessoas se libertar de um fantasma tão repressor. Depois fiquei pensando que o temido 'Big brother' poderia representar, na verdade, um grande pai. E ninguém gosta de ficar órfão de pai. Bom, sei lá, são lugares muito exóticos para uma brasileira permissiva, festeira e que só conhece o contraste do rico e do pobre, diferenças que ensaiam desaparecer completamente em época de carnaval. O Brasil tem seus contrastes naturais, culturais e econômicos, mas tem uma unidade ideológica que é invejável. O Brasil é feliz e sabe disso.

* foto do visor do celular do Toledo, meu companheiro de viagem a Berlim