segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A FIM DE VOLTAR


foto flickr

Foi tudo um sonho. Como eu previa, a sensação era de ter acordado de uma longa noite. De volta ao Brasil, a primeira impressão é de que nunca saí deste lugar. Sinto como se estivesse plantada à terra, uma muda trazida de volta à mata densa que é de árvores tropicais, aquelas que respiram em clima úmido e quente. Já me senti assim logo que pegamos a Marginal, saindo do aeroporto. Em casa, os espaços eram tão grandes comparados aos modestos cômodos londrinos que meu pulmão até expandiu, como se eu fosse respirar diferente. As duas janelas do quarto eram tão grandes, mas tão grandes que cheguei a estranhar a claridade. Minha cama então... era uma piscina inteira de maciez e espaço livre, de onde nem a ponta dos meus pés escapava no comprimento. As rádios tocam samba. Do lado de fora está o verão. Isto aqui é o paraíso, tive certeza. Não à toa meus amigos brincavam que "A fim de voltar" * sempre foi minha música: "Estou a fim de voltar e não sei se devo ou posso".

Passada a primeira semana, as coisas mudam um pouco. A viagem deixa de parecer um sonho comum e passa a lembrar a ficção científica. Você lembra de ter ouvido alguma vez, por obra da física quântica, que se fosse possível viajar no tempo a gente voltaria para o presente com idade conservada, porém as pessoas na Terra teriam envelhecido? É aquele papo de que pra quem viaja na velocidade da luz o tempo biológico passa diferente do tempo daqueles que ficaram, então a gente voltaria no ‘futuro’ mas com a vivacidade e o corpo de quando saímos, pois para nós 1 ano significou 10 anos na Terra. Pois bem, começo a estranhar as coisas daqui. Não gosto mais de dirigir. Minha preguiça é tanta que apelei pro transporte público paulista e virei passageira de ônibus. Profissão? Preciso dar uma diversificada, porque não consigo pensar em mim ocupando o mesmo cargo no mesmo tipo de ambiente. Continuo amando a noite, mas com muitas restrições: é longe? É caro? É lotado? Passei a amar São Paulo. Sim, porque antes eu até gostava, mas amor mesmo só tinha pelo Rio. Agora amo a avenida Paulista, outro dia fui de ponta a ponta a pé, do cinema HSBC Belas Artes ao sorvete de Miski do Alaska, não sem antes tomar chopp escuro no Opção, atrás do MASP. Amo a comida, o serviço, a excentricidade cultural e social que tem nesta cidade. Passei a não tolerar o trânsito, nem com música boa ou exercício de paciência. Amo os paulistas, odeio a corrupção que impede minha cidade de ser fantástica.

Tenho visto a vida em câmera lenta. Não que o ritmo tenha desacelerado por aqui, mas parece que o número de frames que compõe este filme, o número de ‘quadros por segundo’, tenha diminuído muito. Meus velhos amigos do Brasil, ainda não os compreendo de novo. Meus novos amigos de Londres, ainda não os libertei do meu comprometimento. Amo o caos, o verão e a idéia de que no ano que vem vai ter carnaval. Mas começo a inverter a nostalgia, deixando Londres intacta num pedacinho especial de saudade que ficou conservado numa câmara de tempo, protegida por flashes de lugares especiais e sons de risadas agora tão familiares. Desta cidade que eu via passar diante dos olhos no ritmo contemplativo da música do Caetano**, tenho esses flashes de memória acompanhados de uma alegria que se sabe solitária, que não é possível dividir com ninguém aqui, pois ninguém iria compreender. Quando a lembrança vem, eu só dou um sorriso de canto de boca e guardo isso pra mim. Acabei por me tocar de que o tempo, a maior ilusão da humanidade, é como uma substância reguladora, um hormônio. O tempo seleciona e julga sozinho o que te faz feliz e você só percebe a ação dele quando ele já passou, danado. Quero muito que passe o tempo que me permita voltar um dia pra lá, dessa vez com olhares de veterana, como quem se sente confortável numa segunda casa, mesmo sabendo que nada vai estar exatamente igual, com as mesmas pessoas e o mesmo espírito explorador. Sei que voltar no tempo é uma viagem possível em sonho e fico pensando que se eu fosse de novo pra Londres talvez parecesse que eu nunca saí. Quero voltar só para saber como é o gosto de pisar no passado, mesmo sabendo que 2009 só se pode ver novamente conservado em formol, quer dizer, conservado em tempo.

E por favor, não me belisca.

* A fim de voltar - Tim Maia
** London, London - Caetano Veloso (por Cibelle)