quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

FILOSOFIA DE FINAL DE ANO E A LÓGICA DOS OPOSTOS
















Queria terminar o ano garantindo o post de dezembro. Esse ano foi uma mistura tão grande se emoções que, descobri, só em Melanie Klein se pode achar alguma explicação. Disse a distinta senhora, discordando de Freud, que uma análise não consiste em trabalhar conteúdos reprimidos, mas sim em equacionar dois sentimentos de natureza oposta e complementar que determinam o psicológico de todo ser humano: a ansiedade depressiva e a ansiedade persecutória. Uma nasce do ODIAR as coisas que estão erradas e a outra do AMOR pelo lado certo dessas mesmas coisas. Parece complexo, não é e tem uma explicação ótima:
"É necessário que o paciente perceba que o mundo não funciona em preto e branco, e que é possível amar e odiar o mesmo objeto, sem medo de destruí-lo."
OK, então eu prefiro ser uma metamorfose ambulante*, situada entre o amar e o odiar, a descobrir que passei a vida sem me dar conta de que não existe estabilidade real e nem razão para sofrer por isso. Fiquem com essa e sintam-se amados, pq se vcs lêem meu blog é pq vcs estão entre os amados que conhecem minhas filosofias mais íntimas.

Que passe logo o Natal, que se apresente o réveillon delicioso e que o tempo até o carnaval seja só alegria. Afinal, o melhor da festa é esperar por ela e não há dia difícil pior que a Quarta de Cinzas.

* Metamorfose Ambulante - Raul Seixas

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

DESILUSÃO









Talvez a maior sabedoria esteja em saber descaracterizar.

Descaracterizar o seu amor platônico, a sua expectativa de trabalho, o seu desafeto, a sua noite de hoje. É o que chamam de ‘não ter expectativas’, mas pra mim a coisa é um tanto mais complexa.

Descaracterizar pode ser tirar do pedestal, pode ser desacreditar, ou mesmo deixar de achar tão bom. Mesmo que te pareça forçado, vale à pena pensar naquela coisa tão incrível como só mais uma ilusão, um marketing pessoal bem feito ou, pior, uma grande mentira.

Sim, porque provavelmente, muitas das coisas que vc ama mas não tem são representações da coisa real que vc cria na sua cabeça. Aquelas coisas que vc insiste em ter mas que insistem em te fazer crer que não são para vc. A vida, como venderam pra gente, tem o dom de iludir*.

Dizem que anti-depressivos tiram de vc aquela emoção descontrolada do gostar, do querer, do sofrer e te deixam meio apático. Isso nada mais é que olhar a vida de cima, rir dela, conseguir se projetar num futuro onde muitas coisas nem terão toda aquela importância.

Então anti-depressivos podem ser completamente desnecessários se vc aprender a descaracterizar tudo aquilo que acredita ser melhor que vc e, portanto, inatingível. Descaracterizar, então, é a fórmula para desiludir.

* Dom de Iludir - Caetano Velloso

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

JORGE É DA CAPADÓCIA














foto: Pirenópolis - GO

Já falei que o melhor de ter amigos é descobrir que vc não ta sozinho? Clichê, eu sei que parece, mas vou explicar o que eu realmente quis dizer. To falando do lado negro daquela frase “na alegria e na tristeza”.

Não estar sozinho na sua condição é nunca se achar um estranho. Saber-se semelhante a alguém através do seu problema é um alívio. Dizem na filosofia Tolteca que um dos principais aprendizados de uma pessoa é “não levar nada para o lado pessoal”, porque nós não somos tão especiais no mundo quanto nossas mães nos fizeram crer que éramos. Simples, prático.

De fato, existem muito mais casos comuns no mundo do que a nossa cabecinha limitada pode imaginar. As questões humanas podem ter várias caras, mas aposto que os temas delas são bem reduzidos. É que nem cinema: vc tem, no máximo, 8 tipos de histórias clássicas, parece, mas infinitas formas de executá-las. Amor, traição, inveja, dor de cotovelo, vingança, etc... um número limitado de motivações que levam a uma trama. Enfim, sabendo disso e conversando com grandes amigos na paz do Goiás, me lembrei de que sou só mais uma se fazendo perguntas. E por coincidência (sendo que coincidências, na verdade, não existem), escutei uma música do Zeca Pagodinho (sujeito que eu não amo, mas que quando dá pra acertar acerta muito) com o Jorge Ben*. Lá tem a oração pra São Jorge. Que impressionante como as palavras fazem sentido. Eu não gosto lá muito de orações, mas essa serviu de um jeito absurdo. Ela é uma oração de ‘empowerment’, parece que nada te derruba. O resultado foi que passei a me achar a primeira amazona do exército da confiança. Lá vai um trecho para São Jorge. Salve Jorge:

“Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge. Para que meus inimigos, tendo pés, não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me enxerguem e nem pensamentos eles possam ter para me fazerem mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem ao meu corpo chegar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar.”

Assim seja. Façam amigos e cultivem. Sintam-se poderosos com isso.

* Zeca Pagodinho e Jorge Ben: Ogum

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

GO EAST




















foto: downtown Beirute, Líbano

Já faz 15 dias que voltei do Oriente Médio.
Eu conversava hoje no almoço com um amigo sobre viagens, ele é um cara que não curte ir pra lugares que as pessoas geralmente amam. Tipo NY (lugar que eu adoro, só pra deixar claro). Eu acho que sei por quê. Mas nunca tinha perguntado. Temia escutar um clichê do tipo "odeio ir pra onde todo mundo vai... povo sem criatividade", ao mesmo tempo em que sabia que ele não soltaria nenhum clichê. Ele me surpreenderia na escolha das palavras, como de costume. Então perguntei. E a resposta: eu quero ficar impressionado com as coisas.
:-)

Eu nunca tinha ido mais a leste do que na Lituânia, então essa foi minha trip mais exótica, além do resgate das raízes libanesas, claro. E a melhor definição do que senti, pra todas as cidades (na Turquia, no Líbano e na Jordânia) foi a invasão descontrolada do ineditismo através dos meus cinco (seis) sentidos. Deserto, turbantes, cedro, cânticos muçulmanos que saem das mesquitas e uma comida tão familiar quanto inédita! Ah, e uma intuição diferente, em outro timing, entorpecida, bêbada, mas que estava lá.

Esqueça todas as suas referências sobre o certo e o errado, o perigoso, o belo e sobre a liberdade. Tudo lá tem outra lógica, tudo! Desde se sentir extremamente desconfortável como mulher ocidentalmente (e cuidadosamente) vestida, até ter a certeza absoluta de que não existe um ladrão sequer pra te assaltar por aquelas bandas. Eles são simpáticos demais, respeitosos ou tarados? E como, Jesus, como pode um desertão daqueles ser o lugar mais disputado (e menos em paz) do mundo? Alguém ali lembra que existe coisa como uma Amazônia, uma Bahia, uma Ipanema? Me diz como um país em que o guarda de fronteira te recebe melhor que aquela sua tia mineira pode estar numa das bordas mais belicamente tensas do planeta? E por que então catso a autoridade de fronteira em Londres, terra livre onde tudo pode, é tão ameaçadoramente grosseira? E por que o Líbano teve o azar de estar ali no meio da briga se tem tanta gente ocidentalizada, baladeira e aberta em Beirute? Quem foi que colocou esse povo lá, Alá? Ou como a pequena fronteira ao norte de Israel selou o destino dos libaneses a uma guerra que não lhes dá tempo de levantar se a Jordânia é que tem o oeste inteirinho e super comprido colado em Israel todo?
Cara, o que é aquele Mar Morto? Um mar onde nunca se morre afogado, não tente se suicidar lá porque não afunda. Por que todo mundo fica em paz em Petra, na Jordânia, onde obviamente tem fantasmas de beduínos e mercadores que nunca pararam de passar de um lado pro outro, como se presos a uma única (eterna) rotina possível?

Por que, no fim de tudo, me deu uma vontade louca de passar um dia inteiro na H&M comprando em Londres, por que eu voltei a tolerar o Starbucks, por que deixei em Londres tantos dólares/euros/libras/liras/dinars em 1 único dia (e meio) de passagem? Será que estamos mal acostumados com a liberdade? Ela vicia, ela entorpece, ela impede de cultivar valores religiosos, místicos ou tradicionais? Isso é bom ou ruim? Será o consumismo um ópio pior que a religião? Por que eu faço tantas perguntas? Agora elas me perturbam. Quantos lugares mais existem para nos surpreender? De quantas férias precisarei para percorrê-los, todos? Perguntas perturbam. Chega. Vira, vira pro outro lado, mira o pôr do sol, vai pra casa. Go West. Life is peaceful there*. And you don't have to think too much about it.

* Petshop Boys

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

É SÉRIO
















Ele sonha então que está morto, que seu corpo, decomposto, já é parte de muitas outras coisas (plantas, animais, insetos...), que o que um dia foi partícula sua hoje ta espalhado no planeta e que então não adiantava nada ter se apegado àquele corpo. Não adianta se preocupar com a vida mundana, com o futuro, não adianta sofrer pelo que não se é (mas gostaria de ser). E não adianta ter medo da morte pq ela é só uma transformação. Sofrer simplesmente não faz sentido. Tão simples quanto libertador.

Sem nada com o que se preocupar, portanto, ele caiu numa mega gargalhada e nunca mais conseguiu olhar para o mundo sem rir das pessoas que levam a vida a sério. Isso me parece o mesmo que voltar a ser criança, por causa do olhar puro (igual ao olhar de quem sabe tudo o que tem por trás da vida).

E tb me parece que é isso a tal felicidade.

(inspirado no livro do Dan Millman: O caminho do guerreiro pacífico)

sábado, 17 de julho de 2010

LIVING ON A PRAYER















descobri que a minha reza é música.
tudo bem eu não gostar de entrar em iGreja.
eu tenho iTunes :-)
pensei isso agora e entendi que posso ser feliz.

* música Bon Jovi
foto: Chico, Tom, Vinícius

sexta-feira, 9 de julho de 2010

NADA SERÁ COMO ANTES




















... é que no ano 'sabático' não tem que fazer plano, não tem que ler sobre o mercado, saber quem foi contratado onde, nem qual o último case de sucesso, quem é o profissional revelação, que curso vc pretende fazer ano que vem, quanto vc quer ganhar, quem você quer ser, onde vc achava que estaria com essa idade, academia duas vezes por semana, guardar dinheiro para o pilates, morar sozinha, você tem algum Hobbie? como não? tem que se cuidar melhor, comer melhor, se vestir melhor, visitar aquela tia, pagar essa conta, agendar inspeção do carro, ver mais filme que novela, ler outro jornal, pôr gasolina, evitar sair com bolsa, não vá ao caixa eletrônico à noite, tem insulfilme? tem que ajustar um monte de calça larga mas só posso no sábado, tem que marcar unha, depilação é cavada, mas nem tanto, bebo 1 litro de água quando tinham que ser 2, seu pai ta manobrando todos os carros sozinho, ligou o alarme? vai ter show na choperia, mas tem que comprar antes, essa carteirinha vale meia, me empresta o carro? é que esse shopping é caro, mas tem que comprar 3 presentes esse mês, o outro shopping é longe, vc ta economizando pro aluguel? vou trabalhar esse fim de semana, faz vários que não viajo, se quer viajar no réveillon já fecha agora, tudo lota, agosto é tarde.

em Londres: entra na internet, vê que ônibus pega, chega antes das 11h, bebe, conhece gente, pega night bus, dorme, acorda, estuda, deita na grama, joga conversa fora, confere a festa pelo facebook, vê qual a estação de metrô, vai pra festa, dança, arrisca falar italiano, turco, chinês, arranha até política, volta, dorme, acorda, vai pro parque, vai pro museu, vai pra qualquer lugar, ama, curte, ri, abraça, conhece mais gente, pensa no mestrado, não pensa no ano que vem, não planeja nada, não quer que acabe, não quer voltar pra realidade, quer ser adolescente tardia para sempre. sente saudade do Brasil, sabe que vai voltar, acha que não vive sem percussão, sem Chico Buarque, sem a Globo, sem pão de queijo.

acha que sofre de saudade da terrinha.
quando na verdade sofre porque sabe que tudo será como antes quando voltar.
o que não sabe, é que nada será como era antes* de Londres.

* Milton Nascimento - Nada será como antes

sexta-feira, 4 de junho de 2010

MOMENTO CLARICE










Às vezes eu tenho breves espasmos de lucidez. É quando eu penso que penso demais e que isso atrapalha. Daí fica até fácil ser feliz. Porque pensar impede de sentir. Mas estes são só breves instantes preenchidos com 'nada'. Será que 'nada' é a resposta pra tudo? Será que esse é o caminho dos yogis? Então meditar é mesmo pensar em 'nada'. Clarice ajuda a entender:

"Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento." (Clarice Lispector)

segunda-feira, 31 de maio de 2010

INTENSIDADE







Eu peço licença para a Cris Guerra, que eu conheci hoje, para emprestar as palavras dela. Para mim e para os que me lêem. Não que ela não quisesse dividi-las, ao contrário. Paulinha, minha torre gêmea, é a responsável por eu conhecer essas palavras absurdamente úteis. E lindas. Não preciso ficar dizendo o quanto é lindo pois vc vai entender de primeira.

O contexto:

"Um homem tem morte súbita, dois meses antes do nascimento do seu único filho. Assim nasce este blog. Tentando entender e explicar dois sentimentos opostos e simultâneos vividos pela viúva e mãe que, no caso, sou eu. Muitos questionamentos. Muitos raciocínios. Muito aprendizado. E uma pressa em falar para o Francisco sobre seu pai, sobre o mundo e sobre mim mesma (só por garantia)."

A parte bonita que é feliz:

"Você vai aprender, filho. Que a intensidade pode roubar você de si mesmo. Que é preciso leveza para se pertencer. Você vai aprender a se distrair no meio do caminho – para ter o privilégio de errar. Vai aprender que as descobertas estão nos atalhos. E que é preciso alcançar o escuro denso para estar diante de todas as possibilidades. Você vai aprender a se deitar noite escura e amanhecer ensolarado. E vai entender que na perda mora o verdadeiro começo. Talvez você leve meia vida para isso. Talvez mais, como eu. Mas até lá, olha que sorte: eu vou estar segurando a sua mão."

http://parafrancisco.blogspot.com/


domingo, 23 de maio de 2010

INSIGHT





















Ter ex-amigo é foda porque arrependimento é bicho ruim de desgrudar.

foto Flickr


quinta-feira, 22 de abril de 2010

TUDO VERDADE





Karl Max, assim sem o segundo 'erre' mesmo, é brasileiro e courrier em Londres, ou seja, motoboy. Conheci através da Flávia Guerra, jornalista brasileira e companheira de ano de mestrado. Nos encontramos certa vez em Spitalfields Market quando a Flávia já tinha terminado de filmar a história do Max e ele estava andando de muleta, a mulher grávida junto. A amizade da Flávia e do Max rendeu um documentário (ou será o contrário?) que teve participação no 'É tudo verdade' e foi premiado com menção honrosa. Eu assisti, é claro. E tive um déjà vu do filme do Jean Charles, que por sinal eu adorei, não sei se por aquelas imagens serem tão familiares ou se foi mesmo pelo Selton. De qualquer maneira, admito: assistir a Londres de uma perspectiva brasileira é sempre muito poético e verdadeiro.
O Jean vc já conhece, agora é vez do Max:


quinta-feira, 18 de março de 2010

TRINTA

foto: Anna Hillman

Picaram mas não doeu. Chegou e nem senti. Não me falta um braço nem o juízo. É que me deram um anestésico e tô sob efeito dele ainda. Hoje tem gente que passa e eu não vejo. Tem coisa que mexe mas eu não sinto. Tenho um certo bode, preguiça das coisas emocionalmente complicadas. Por outro lado, o que é direto e prático muito me atrai. Desconfio de mais gente mas me preocupo com menos coisas, é estranho isso. Não sei bem se to gostando. Espera... acho que encontrei a metáfora: tiraram os holofotes de cima de mim. Ufa! Posso reagir naturalmente que ninguém vai repreender. Posso rir quando der vontade e sair quando estiver de bode. Posso ficar um sábado inteiro sozinha sem me cobrar pelo social. E se eu nunca retornar uma ligação sua, não significa que eu não goste de vc. Não significa nada. Que alívio, sobrevivi. Acho que a vida agora começa, fora de uma tela de cinema e sem o Big Brother* tirando a espontaneidade. Posso sentar e relaxar. Talvez eu me sinta mais espectadora que atriz por um tempo, e sem problemas. Finalmente preciso ler Balzac.

* George Orwell, não aquela porcaria que a Rede Globo transmite

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

OFEGANTE EPIDEMIA

foto: flickr


O carnaval se aproxima e eu sou uma amante incorrigível dele. Euforia desenfreada. Quem sabe, sabe... conhece bem*.

Olho pro lado e aquele desafeto fica pequenininho, me sinto bem maior. Os problemas tiram férias, os medos voltam para suas cavernas e os agiotas do meu juízo são acometidos de compaixão, perdoam qualquer dívida da consciência. Me sobram apenas alegria, imaginação e muito oxigênio.

Tento contar às pessoas que isso existe, que é grande, maior do que qualquer viagem de balão ou queda de montanha russa. Sempre me frustro com os descrentes. Ainda não tirei diploma que me habilite a conseguir tal proeza. Só lamento mesmo que alguns não tenham esse chip.

Na Praça XV faz um sol de matar ou chove de doer, nunca um meio termo. Tristeza** interpretada pelo Boitatá do Pedro Miranda me arranca lágrimas nos primeiros acordes, enquanto O Bloco do Prazer*** me faz a pessoa mais feliz daquele minuto e meio. Todas as boas energias do mundo passam por quem entende e curte o carnaval. Energias antepassadas, energias das pessoas felizes, de décadas de cultura, dos bem intencionados, dos pacificadores, dos palhaços, dos artistas, dos que deram trégua, dos que perdoaram, dos que acreditam, dos que se lembram humanos, dos que amam, ou dos simplesmente bêbados. Energia que rege o Brasil e contagia milhões, não vê raça nem classe, gênero nem intenção. É a ofegante epidemia do Chico ****. Sei lá, não consigo descrever melhor , só viver. Tomara mesmo que você esteja me entendendo. Senão, desejo que descubra isso e que um dia tente me explicar e não consiga.

Vou indo que o tempo é curto, a véspera corre e depois deste fevereiro não se gritará tão alto, não se pegará mais bonde nem se beijará mais chão. Nos vemos de novo se meu humor sobreviver às cinzas da quarta-feira, quando o ano promete começar aqui do lado de baixo do Equador, onde não existe pecado, só alegria.*****


* Jota Sandoval-Carvalhinho

** Vinícius e Toquinho

*** Moraes Moreira

**** Chico Buarque

***** Caetano Veloso

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O MUNDO É ESTRANGEIRO


"Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?" *

Muito comum quando alguém se sente meio perdido é escutar daquele que encarna papel de conselheiro o seguinte começo de frase: "eu, que estou olhando de fora, posso te dizer algo que você não está vendo". Às vezes o sujeito nem é tão brilhante assim, mas te dá um insight tão esclarecedor quanto óbvio e você se pergunta "como é que eu não pensei nisso antes?". O que faz desse ponto de vista externo um olhar tão poderoso? Será que é o privilégio de poder ver todo o cenário completo, em vez daquela parte viciada somente? Ou talvez seja uma simples mudança de ângulo, nada especial, o que permite ver mais e diferente, sair do meio da bagunça, respirar e se concentrar? Quando me lembro da minha ansiedade em sair do país até 2008, vejo nitidamente que a grande motivação era essa: o distanciamento. Eu queria ver a minha profissão bem de longe, minha rotina de longe, meus amigos, as crenças, o Brasil. Eu acreditava que só esse distanciamento me traria lucidez suficiente pra avaliar a minha vida: se eu sou feliz ou se ia conseguir ser.

No meu ano distanciada, muito mais do que poder olhar pro meu mundo de fora, conheci pessoas que estavam fazendo o mesmo. Cada uma delas olhava de um ângulo diferente e várias se perdiam e se achavam, alternadamente. Duas das minhas mais fascinantes amigas de Londres, brasileiras não por acaso, enquadram-se perfeitamente nessa descrição. Ambas continuam fora do Brasil e têm blogs que eu leio para continuar dando conta dos tantos ângulos possíveis. Pois bem, elas escreveram, recentemente, sobre uma sensação que até então eu não tomaria como minha: o estrangeirismo. Dizem que uma vez se sentindo estrangeiras em todo lugar, não há volta possível, elas sempre irão se sentir assim, inclusive se voltarem ao seu país de origem. Claro, nesse caso porque elas viram tanta coisa e mudaram tanto de ângulo que não é mais possível se contentar com um só. Fica tudo vivo e registrado como uma grande imagem 3-D.

No começo, eu lia os textos sobre estrangeirismo de ambas, em Tão Longe Tão Perto e Descolonizando a Mente, como mera espectadora. Mas ao terminar, notei que não é preciso ficar um tempão fora para se sentir estrangeira. Estranhamente eu já me sentia assim antes de viajar. Melhor ainda, entendi que foi por isso que eu viajei. A desculpa de querer "olhar de fora" foi uma saída racional que eu achei. A verdade é muito mais culpa dos sentimentos que da razão: quando percebo a ganância com que os homens perseguem seus objetivos materiais, o impulso de querer levar vantagem sobre o semelhante, o ensinamento nas escolas de que precisamos estudar para ser "o melhor", pra ganhar mais dinheiro, pra consumir isso ou aquilo. Quando me dou conta de tudo isso me sinto estrangeira, alguém de passagem pelo grande shopping center que é a nossa sociedade. E tenho vontade de gritar às vezes "pára o mundo que eu quero descer!". Mas acabo recobrando o juízo quando dou de cara com outros 'estrangeiros'. Pessoas que têm objetivos e sonhos que vão muito além das noções burguesas ocidentais já pré-estabelecidas de felicidade (algo como carreira + casamento + consumo + lucro + férias na Disney). Gente que busca auto-conhecimento mais que auto-realização. Por incrível que pareça, ainda bem, esses encontros têm sido cada vez mais frequentes pra mim.

Então, se tem tanto 'estrangeiro' divagando por aí, não deve ser impossível descobrir de onde a gente veio e por que a gente tá zanzando tanto e tão longe de casa. Tem algum perdido aí lendo esse texto?

* Caetano Veloso - Terra