segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O MUNDO É ESTRANGEIRO


"Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?" *

Muito comum quando alguém se sente meio perdido é escutar daquele que encarna papel de conselheiro o seguinte começo de frase: "eu, que estou olhando de fora, posso te dizer algo que você não está vendo". Às vezes o sujeito nem é tão brilhante assim, mas te dá um insight tão esclarecedor quanto óbvio e você se pergunta "como é que eu não pensei nisso antes?". O que faz desse ponto de vista externo um olhar tão poderoso? Será que é o privilégio de poder ver todo o cenário completo, em vez daquela parte viciada somente? Ou talvez seja uma simples mudança de ângulo, nada especial, o que permite ver mais e diferente, sair do meio da bagunça, respirar e se concentrar? Quando me lembro da minha ansiedade em sair do país até 2008, vejo nitidamente que a grande motivação era essa: o distanciamento. Eu queria ver a minha profissão bem de longe, minha rotina de longe, meus amigos, as crenças, o Brasil. Eu acreditava que só esse distanciamento me traria lucidez suficiente pra avaliar a minha vida: se eu sou feliz ou se ia conseguir ser.

No meu ano distanciada, muito mais do que poder olhar pro meu mundo de fora, conheci pessoas que estavam fazendo o mesmo. Cada uma delas olhava de um ângulo diferente e várias se perdiam e se achavam, alternadamente. Duas das minhas mais fascinantes amigas de Londres, brasileiras não por acaso, enquadram-se perfeitamente nessa descrição. Ambas continuam fora do Brasil e têm blogs que eu leio para continuar dando conta dos tantos ângulos possíveis. Pois bem, elas escreveram, recentemente, sobre uma sensação que até então eu não tomaria como minha: o estrangeirismo. Dizem que uma vez se sentindo estrangeiras em todo lugar, não há volta possível, elas sempre irão se sentir assim, inclusive se voltarem ao seu país de origem. Claro, nesse caso porque elas viram tanta coisa e mudaram tanto de ângulo que não é mais possível se contentar com um só. Fica tudo vivo e registrado como uma grande imagem 3-D.

No começo, eu lia os textos sobre estrangeirismo de ambas, em Tão Longe Tão Perto e Descolonizando a Mente, como mera espectadora. Mas ao terminar, notei que não é preciso ficar um tempão fora para se sentir estrangeira. Estranhamente eu já me sentia assim antes de viajar. Melhor ainda, entendi que foi por isso que eu viajei. A desculpa de querer "olhar de fora" foi uma saída racional que eu achei. A verdade é muito mais culpa dos sentimentos que da razão: quando percebo a ganância com que os homens perseguem seus objetivos materiais, o impulso de querer levar vantagem sobre o semelhante, o ensinamento nas escolas de que precisamos estudar para ser "o melhor", pra ganhar mais dinheiro, pra consumir isso ou aquilo. Quando me dou conta de tudo isso me sinto estrangeira, alguém de passagem pelo grande shopping center que é a nossa sociedade. E tenho vontade de gritar às vezes "pára o mundo que eu quero descer!". Mas acabo recobrando o juízo quando dou de cara com outros 'estrangeiros'. Pessoas que têm objetivos e sonhos que vão muito além das noções burguesas ocidentais já pré-estabelecidas de felicidade (algo como carreira + casamento + consumo + lucro + férias na Disney). Gente que busca auto-conhecimento mais que auto-realização. Por incrível que pareça, ainda bem, esses encontros têm sido cada vez mais frequentes pra mim.

Então, se tem tanto 'estrangeiro' divagando por aí, não deve ser impossível descobrir de onde a gente veio e por que a gente tá zanzando tanto e tão longe de casa. Tem algum perdido aí lendo esse texto?

* Caetano Veloso - Terra