segunda-feira, 6 de abril de 2009

A INSUSTENTÁVEL INVISIBILIDADE DO SER



Uma das coisas que tenho observado nesse meu período fora de casa (leia-se: do Brasil, de perto da minha família e da minha rotina paulistana de bom salário e ótimo estilo de vida) é como as pessoas se relacionam (ou não se relacionam) umas com as outras no dia-a-dia desta cidade grande, caótica e multicultural que é Londres.

Deve ser porque aqui eu ando mais a pé, pego mais transporte público e interajo mais com desconhecidos na rua, do que eu eu estava habituada a fazer em Sampa, de dentro do meu carro e do conforto da minha vida que ia 'muito bem, obrigada'. Deve ser também porque aqui eu trabalho casualmente em eventos que acontecem num museu importante da cidade, servindo bebida, enchendo copo de vinho e carregando bandeja, onde pela primeira vez me vejo do outro lado da cena: não como a executiva que vai a conferências, mas como a garçonete que serve a água pras executivas. Essa é uma ocupação em que estou definitivamente coadjuvante na cena. Aliás, nem coadjuvante, porque se isso fosse uma peça de teatro eu estaria mais pra assistente de palco no back stage.

Bom, o que eu quero mesmo contar não é como me tornei invisível pras pessoas nessas ocasiões em que sou 'garçonete' - pessoas que estão interagindo entre si e não vão prestar atenção aos membros do 'staff', naturalmente - mas sim em como uma reação inesperada de um 'cliente', um sorriso, um 'obrigado' sincero ou até mesmo uma puxada de papo fazem toda a diferença na vida dos invisíveis. Outro dia escutei 'querida, você deve estar treinando algum malabarismo pra conseguir carregar essa bandeja com tudo isso, não?" (sim, pasmem, uma senhorinha no café do British Museum um dia puxou esse papo comigo, olhando nos olhos, imagina se agora eu não adoro velhinha inglesa). Chegamos até o ponto em que contei que na verdade estou em Londres pra fazer mestrado e esse trabalho é um bico. Não sei por quê, mas eu meio que quis me valorizar dando a entender que não sou mais uma imigrante desesperada pra ganhar um salário básico fora do meu país, mas sim que eu tinha nível suficiente pra conversar com ela de igual pra igual ou talvez ainda com mais competência, meio que querendo defender o meu orgulho, sabe...rs. Dentro de mim tinha uma vontade de gritar "OLHA, EU TO AQUI E SOU TÃO BOA OU MELHOR DO QUE VOCÊEEES" enquanto eu limpava a mesa e observava as famílias que estavam curtindo um domingo de lazer, como eu e minha família tantas vezes fizemos. Engraçado, no Brasil a gente sempre evita contar muita vantagem diante das pessoas porque tem tanta gente em pior situação que você até se sente mal de dar a entender que mora nos Jardins (to sendo genérica), dirige um carro zero e fez uma boa faculdade.

Enfim, a razão pra eu contar toda essa história é que tem um filminho que minha mãe mandou e adorei, feito a partir de um celular, que aborda esse tema das pessoas invisíveis mas em muito pior situação, como vocês vão ver (em Nova Iorque e Sidney). Ele venceu o festival Tropfest de curtas metragens, na edição do ano passado em NY, e teve orçamento de 40 dólares!

Fico aqui pensando: até que ponto nossas vidas estão no modo automático pra gente deixar esse estímulo visual passar batido, pra gente se acostumar com a anomalia como se ela já fosse parte aceitável desse organismo complexo que é uma cidade. Isso numa época em que todo mundo tá sendo obrigado a rever seus valores, o capitalismo, o consumo, o estilo de vida, as escolhas, etc, pra que o mundo sobreviva e, antes mesmo, pra que a humanidade sobreviva. Parece-me que no contexto desesperado da nossa tentativa de salvar o planeta, que envolve a busca por uma realidade sustentável, passa a ser insustentável a nossa indiferença a essas pessoas.

A intenção não é provocar choro através de trilha sonora melosa, mas fazer refletir sobre o que estamos deixando passar batido pelos nossos olhos, porque a gente olha mas não vê muita coisa!

Título: "Mankind is no island". Endereço temporário no Youtube:

http://www.youtube.com/watch?v=ZrDxe9gK8Gk

Contribuições:
- minha amada mãe Eliane que me mandou o link para o filme
- meu querido amigo, ex-pupilo e eterno agente inspirador André Oliveira, que lembrou da existência do trabalho desse cara da USP sobre 'os invisíveis' (aquele estudante que foi gari por alguns dias e acabou escrevendo a tese de mestrado dele sobre o assunto) Gente Invisível
- minha amiga Mari Rudge, por uma outra bela referência sobre invisibilidade: O Homem Invisível