quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O FIM DE UM MUNDO














O texto de hoje é totalmente emprestado do Vladimir, da Folha. Só porque vale muito à pena. Paguei pau.

Em 2006, a cineasta Sofia Coppola lançou um filme sobre Maria Antonieta. Ao contar a história da rainha juvenil que vivia de festa em festa enquanto o mundo desabava em silêncio, Coppola acabou por falar de sua própria geração.
Esta mesma que cresceu nos anos 1990.
No filme, há uma cena premonitória sobre nosso destino. Após acompanharmos a jovem Maria por festas que duravam até a manhã com trilhas de Siouxsie and the Ban- shees, depois de vermos sua felicidade pela descoberta do "glamour" do consumo conspícuo, algo estranho ocorre.
Maria Antonieta está agora em um balcão diante de uma massa que nunca aparece, da qual apenas ouvimos os gritos confusos. Uma massa sem representação, mas que agora clama por sua cabeça.
Maria Antonieta está diante do que não deveria ter lugar no filme, ou seja, da Revolução Francesa. Essa massa sem rosto e lugar é normalmente quem faz a história. Ela não estava nas raves, não entrou em nenhuma concept store para procurar o tênis mais stylish.
Porém ela tem a força de, com seus gritos surdos, fazer todo esse mundo desabar.
Talvez valha a pena lembrar disso agora porque quem cresceu nos anos 1990 foi doutrinado para repetir compulsivamente que tal massa não existia mais, que seus gritos nunca seriam mais ouvidos, que estávamos seguros entre uma rave, uma escapada em uma concept store e um emprego de "criativo" na publicidade.
Para quem cresceu com tal ideia na cabeça, é difícil entender o que 400 mil pessoas fazem nas ruas de Santiago, o que 300 mil pessoas gritam atualmente em Tel Aviv.
Por trás de palavras de ordem como "educação pública de qualidade e gratuita", "nós queremos justiça social e um Estado-providência", "democracia real" ou o impressionante "aqui é o Egito" ouvido (vejam só) em Israel, eles dizem simplesmente: o mundo que conhecemos acabou.
Enganam-se aqueles que veem em tais palavras apenas a nostalgia de um Estado de bem-estar social que morreu exatamente na passagem dos anos 1980 para 1990.
Essas milhares de pessoas dizem algo muito mais irrepresentável, a saber, todas as respostas são de novo possíveis, nada tem a garantia de que ficará de pé, estamos dispostos a experimentar algo que ainda não tem nome.
Nessas horas, vale a lição de Maria Antonieta: aqueles que não percebem o fim de um mundo são destruídos com ele. Há momentos na história em que tudo parece acontecer de maneira muito acelerada.
Já temos sinais demais de que nosso presente caminha nessa direção. Nada pior do que continuar a agir como se nada de decisivo e novo estivesse acontecendo.

Por Vladimir Safatle (Folha SP, 9/8/201)

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A HISTÓRIA SEM FIM















Ontem foi o Dia do Amigo. Não significa nada enquanto data. Mas o acaso, sempre ele, deu um jeito de criar uma noite inesquecível.

- Oi, quer jantar hoje?
- Queeeero
- Às 20h30 lá em casa

De última hora. Sem programar. Só porque tinha que ser.
Amigas de adolescência. Muitas, muitas histórias mesmo pra contar. Você conhece dos seus amigos antigos alguns traços de personalidade que nunca se revelariam mais tarde. Na época da inocência tem um caráter de espontaneidade nos traços da gente, uma exposição da essência da gente que nunca mais se revela tão nua e cruamente. Cumplicidade, é isso. Acho que o que construímos com amigos dessa fase parte da cumplicidade de se ter ritualizado junto a passagem para a vida adulta. Na vida adulta não há mais brigas feias, não há mais ciúme desavergonhado, não há mais tanta honestidade sobre o que se desgosta no outro nem mais tanta saudade se ficar uns dias sem ver, em contrapartida. É tudo mais 'fake', mais blasé, mais político. Durante a faculdade a orientação é clara: daqui pra frente, cada um por si. Seu concorrente senta do seu lado. E isso muda tudo. Infelizmente (ou simplesmente é como só poderia ser).

O que desencadeou essas lembranças todas numa noite que por acaso era do Dia do Amigo? Um filme de 1984. A História Sem Fim. Minha lembrança cinematográfica mais surreal da infância, inexplicáel, uma mistura de fantasia infantil com ficção científica e com filosofia. Embora eu não tivesse plena consiência disso na infância, claro. Era um grande mistério pra mim como aquilo era possível: a participação em tempo real de um leitor de um livro na trama que ele está lendo. Mas o que importa hoje é dizer que tomar contato com aquela filosofia de novo, ao mesmo tempo em que estávamos numa máquina do tempo, nos levou de verdade de volta à Terra da Fantasia, muito provavelmente impedindo que ela fosse destruída pelo temido Nada. E contribuindo para que nós, adultas, lembrássemos de que não há vida boa sem os sonhos. E como não existem coincidências, acredito que o acaso seja mágico. E que as amizades verdadeiras são absolutamente imunes ao desgosto ou à traição. Porque a história das grandes amizades é uma história que não tem fim.

Foto: Atreyu e Falcor

sexta-feira, 1 de julho de 2011

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
















Esta semana uma grande amiga compartilhou comigo a palestra do mais famoso meurofisiologista brasileiro, candidato a Prêmio Nobel, Miguel Nicolelis. Simplesmente os experimentos do cara comprovam que a nossa mente não tem limites e atua para muito além do corpo mundano. Ele conseguiu fazer com que a simples intenção do cérebro de um primata movimentasse um robô presente do outro lado do mundo e, mais doido ainda, a reação do robô que estava longe acontecia antes mesmo que a reação da perna do próprio macaco a um comando do cérebro dele, derrubando as fronteiras de espaço, força e até de tempo. Nas palavras dele:

"Foi aí que nós começamos a imaginar uma nova visão do cérebro, não como um passivo decodificador de mensagens mandadas pelo ambiente, mas um cérebro que é um simulador, um escultor, modelador da realidade. Algo que constrói ativamente não só a nossa visão do mundo que nos circunda, mas um modelo altamente dinâmico e adaptativo do que é o nosso ser, esse corpo que nós egoisticamente chamamos de ‘nosso’."

Adoro pensar, como ele mesmo apontou, que chegamos ao fim da era do culto ao corpo, esse pedaço de carne tão mundano e limitado. Será que sim? Se o ser humano entender de uma vez por todas o poder que ele tem em sua mente e que isso é a conexão que temos com o mundo chamado 'espiritual' (a solução para os mais céticos, amparada por ciência), aí então posso começar a acreditar que as profecias para 2012 fazem sentido. Um novo mundo está começando e quero estar viva pra vê-lo.

imagem: University of Texas

quarta-feira, 22 de junho de 2011

NEM TUDO SÃO FLORES




















Sabe... não é só de esperança que vive o meu coração. Sério, às vezes vale à pena colocar no papel por que a gente fica indignado. Essa tal de TPM não podia ser ignorada. Diz que na Inglaterra a mulherada que comete delito durante a sua TPM tem sua pena reduzida. País desenvolvido, né gente? Mas tirando o instinto histérico que ela causa na gente, queria falar mais do outro sintoma, o choro. Chorar por nada. Ontem me peguei com lágrimas nos olhos depois de muito tempo passando ilesa desse sintoma que borra maquiagem e incha nariz. Daí resolvi racionalizar (claro) pra entender porque eu tava daquele jeito. Resposta imediata: desilusão com a humanidade. É isso mesmo. Eu fico por aí pregando a força de vontade, a fé em nós mesmos, a chance do planeta melhorar, a força da coletividade, etc... mas não há otimista que passe batido pema mediocridade do que consideramos o 'normal'. Os papos das pessoas em volta, as preocupações consumistas, as traições, os favores por dinheiro, os 'jeitinhos', o laissez faire laissez passer à moda tupiniquim. Daí é só um passo pra sair do coletivo e aplicar a fórmula do desengano à sua própria história: a amiga que nunca mereceu sua confiança, o cara que te amou mas tinha medo de mulher com opinião, a preguiça de começar tudo de novo, as pressões sociais que depõem contra o que vc quer ser, o andar na rua que aguenta xaveco de peão de obra (e a vontade contida de responder), etc. Meu único conselho? Concentra. Medita. Não abre a portinha pra energia sair. É um lapso se deixar abalar por essas coisas, mas se acontece só de vez em quando, esse abalo é saudável porque aponta que vc está inteiro nesse planeta, lúcido e vivendo o que chamam vida. Enxuga as lágrimas e vai.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

NEW YORK, NEW YORK















Tão familiar. São cria dos britânicos mesmo. Mas hoje acho Londres muito parecida com NY. Só que NY já era previsível pra mim como um lugar de consumo exagerado, Londres não era, assustou. Mas tem um ponto forte a a favor dos americanos. Nunca achei que fosse falar bem deles. Pois bem, simpatia, serviço, "tip" (gorjeta). Sim, a gorjeta é alta e o serviço faz por merecer. Calma, não to achando que vale pagar aquilo tudo, eu na verdade odeio ter que pagar serviço em qualquer lugar do mundo. Todo prato de comida de restaurante já tá híper-super-faturado. O patrão que aprenda a valorizar e pagar bem seus funcionários, oras. Mas de verdade, depois de 1 ano e 2 meses de Europa, me surpreendeu como a experiência americana (nova-iorqina, que fique claro) é 'welcomming', receptiva. Versus a cara feia "to te fazendo um favor" dos europeus, aquilo parece um paraíso. Tinha me esquecido de como isso é marcante, nas minhas visitas infantis e adolescentes ao país, até então sempre patrocinadas pelos meus pais. E vc fica num estado de êxtase que te torna super passível de hipnose. Hipnotiza tudo que está ao alcance do cartão de crédito. Por isso me dei o direito de deixar seduzir. E como seduz, e como é rápido. E como é espaçoso... é isso! Em Londes tudo se esbarra. Se vc ocupa um lugar junto com outras pessoas naquela cidade vc é um concorrente que respira o mesmo ar e usa a mesma calçada. Enquanto que se vc divide a cidade com os nova-ioquinos, vc é alguém que deixa seu dinheiro lá, por definição. Ocupante do meu espaço VERSUS gastador em potencial fazem da experiência americana e londrina casos de opostos.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

DEUS
















"Você não vive cada dia para descobrir o que ele lhe trará, mas sim para criá-lo" (Neale Donald Walsch)
Já devo ter dito por aqui que o livro* desse cara mudou o meu jeito de me relacionar com uma das pernas do tripé que nos mantém em pé (redundante né?). Corpo-Mente-Espírito. Ou Emoção-Razão-Intuição. São infinitas as possibilidades de denotar essa trilogia. Enfim, a forma como me relaciono com a parte metafísica - o Espírito - só existe porque esse cara teve o insight que aponta a existência como uma chance de CRIAR a realidade. Não de aprender, não de sofrer, não de pagar ônus deixados nas vidas passadas. De criar o mundo à sua volta como vc bem entender. Se tantas religiões não tivessem colocado nas costas de 'Deus' o peso de todos os julgamentos e da única vontade soberana, a humanidade não seria tão cega. Bastaria olhar pra si próprio pra entender que nós mesmos somos os criadores disso tudo. De tudo o que existe hoje e como é hoje. Me irrita nas religiões que elas atrasaram nosso desenvolvimento espiritual quando nos afastaram da maior espiritualidade de todas, presente e óbvia na Natureza, em nós mesmos. Deixamos de ser observadores dessa Natureza (o 'N' maiúsculo não é por acaso) e do feminino que há nela para sermos devotos de uma 'Palavra' (seja da Bíblia, do Corão, da Torá, etc) que é produto do medo dos homens, há tantas gerações. Enfim, reflita. Encontre a sua conexão com a Natureza e consigo mesmo porque é a isso que deram o nome complicado e difícil de conceber que atende por "Deus". O insight é que nós somos os únicos CRIADORES porque Ele se manifesta em nós e através de nós :-). Bingo.

*Conversando com Deus
Foto: Ipanema 2009

domingo, 24 de abril de 2011

BIZARRE LOVE


















"Everytime I Think Of You, I Feel A Shot Right
Through With A Bolt Of Blue"

"that's the way that is goes"
"well everyday my confusion grows"
and...
"I'm not sure what this could mean..."

*New Order: Bizarre Love Triangle"

sábado, 9 de abril de 2011

NÃO POSSO MAIS VIVER SEM MIM




















Essa semana assisti a um filme, daqueles com os quais a gente cruza por acaso, na beira da madrugada e ainda titubeando se banca dormir duas da manhã numa segunda-feira. Banquei. Nada é por acaso.

Já falei algumas vezes aqui, desde minhas noites viradas naquele quarto do subsolo da residência em Londres, em véspera de provas, que uma grande ficha me caiu quando escutei de uma das minhas melhores amigas, por skype-phone, "a gente nasce sozinho e vai morrer sozinho, entenda e aceite isso". Não me refiro ao lado dramático que esse pensamento carrega, queria falar do lado insightful de novo. Se vc se dá conta de que qualquer de pendência do Outro, para uma mínima coisa que seja, é desperdício, vc cresce tanto, tanto que, quem sabe, encontra de vez a felicidade. Ó que legal: se eu entendo que eu só tenho a mim mesma, eu nunca estarei solitária porque eu sempre vou poder contar comigo e nunca vou me decepcionar :-)

No filme, uma coadjuvante diz a frase-chave à protagonista, mais jovem que ela e que acabou de abandonar a própria festa de casamento (incluindo o noivo) por causa de uma grande decepção (causada pelo próprio). O caso é que uma única traição envolvendo um casal de amigos, e trazida a público por um deles, desencadeia uma sequência de lavagem de roupa suja em que todos os personagens se revelam ou se descobrem tendo sido traídos. No final (desculpem contar o final), após decisão da noiva de não se jogar de um penhasco, a mulher-madura, que acabara de ter sua ficha também 'caída', diz que só é possível ser correspondido no amor se vc for livre (por favor leia isso algumas vezes mais, repetindo para si mesmo). E a cena final é ela voltando a pé por uma estrada e se deparando com uma encruzilhada. Escolhe ir para o lado esquerdo. Pronto.

"Ser livre consiste em assumir que vc está sempre sozinha, primeiro", ela completa.

Bom Abril para vocês.

PS1. esqueci o nome do filme.
PS2. qualquer semelhança com o post anterior é mera coincidência (existe coincidência?)


Música: Ultraje a Rigor - "Eu me amo"

quinta-feira, 10 de março de 2011

MANTRA















"Só o amor verdadeiro liberta"

Arte: Banksy

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

TODA NUDEZ SERÁ RECOMPENSADA




















Preciso abrir uma exceção e colar aqui, na íntegra, o texto de outra pessoa. O Calligaris se superou, se é que isso ainda é possível, e me entregou de bandeja o que será um dos maiores insights de toda a minha vida. A compreensão de por que me sinto alien no mundo. Pensem no quanto a consciência da nossa condição é, ao mesmo tempo, depressiva e libertadora. E pensem em como a ignorância dessa condição nos torna mesquinhos, ou perdidos, ou com a existência perdida, talvez. Matrix. Para mim, humildade é a consciência dessa condição de se saber simplesmente menos que a carcaça. E essa humildade engrandece, vejam que paradoxo legal!
(obrigada pela dica, Fabi)

"Todos os reis estão nus" (Folha de SP, 03/02/2011)

Já está em cartaz (pré-estreia) "O Discurso do Rei", de Tom Hooper. O filme foi indicado ao Oscar em doze categorias; a atuação de Colin Firth (o rei) é tão inesquecível quanto a de Geoffrey Rush (o terapeuta). Resumo. Quando George 5º morreu, o filho primogênito lhe sucedeu (com o nome de Eduardo 8º), mas por um breve período: logo ele abdicou, por querer uma vida diferente daquela que o ofício de rei lhe proporcionaria. Com isso, o cadete, duque de York, tornou-se rei -inesperadamente e num momento decisivo: era a véspera da Segunda Guerra Mundial. O duque de York (e futuro George 6º) era tímido, temperamental e, sobretudo, gago -isso numa época em que, graças ao rádio, a oratória dos ditadores incendiava as praças do mundo: na hora do perigo, para que serve um rei se ele não consegue ser a voz que fala para o povo e por ele? O filme, imperdível, conta a história (verídica) da relação entre o rei e seu terapeuta, Lionel Logue, um fonoaudiólogo australiano pouco ortodoxo. Eis algumas reflexões saindo do cinema. 1) Qualquer terapia começa com uma dificuldade prática: uma impotência, a necessidade de um conselho, uma estranha tensão nos ombros, uma gagueira. A relação terapêutica se constrói a partir dessa dificuldade: o terapeuta é quem saberá nos livrar do transtorno, seja ele fonoaudiólogo, terapeuta corporal, eutonista, psi (de qualquer orientação) etc. Quer queira quer não, a ação do terapeuta é dupla: relaxaremos o ombro, exercitaremos a dicção ou endireitaremos o pensamento do paciente, mas, de uma maneira ou de outra, acabaremos mexendo nas fontes de um mal-estar mais geral que talvez se manifeste no transtorno. 2) Há, às vezes (mais vezes do que parece), escondidas no nosso âmago, ambições envergonhadas ou vergonhosas, que não confessamos nem a nós mesmos. Quando sua realização se aproxima, só podemos inventar jeitos de fracassar, porque, no caso, não nos autorizamos a querer o que desejamos. Obviamente, detestamos a voz do terapeuta que se aventura a nos dizer o que queremos mas não nos permitimos. Essa voz atrevida é a única aliada de desejos que são nossos, mas que encontram um adversário até em nós mesmos. 3) No trabalho psicoterapêutico, o segredo de polichinelo é que, por mais que suspendamos diplomas em nossas salas de espera, somos todos leigos e aventureiros. Não sei se existem cursos ou estágios que ensinem a ouvir o que Logue ouve e entende do desejo escondido do duque de York. Certamente não há formações que ensinem a coragem maluca do terapeuta do rei, seu esforço para se colocar, sem medo, ao serviço do que o duque e futuro rei não quer saber sobre si mesmo. 4) Pensando bem, Logue (como Freud) tinha, sim, uma formação que o qualificava como conhecedor da alma humana e especialmente da dos reis: a leitura de Shakespeare. 5) Quase sempre, chega o dia em que um paciente descobre que seu terapeuta sabe muito menos do que ele (o paciente) imaginava. O paciente pode até pensar que o terapeuta, atrás de seu bricabraque de saberes práticos, é um impostor. É ótimo que isso aconteça, pois, geralmente, é sinal de que o paciente descobriu que ele também é um impostor. No caso, o terapeuta não é qualificado para ser terapeuta, exatamente como o rei não é qualificado para ser rei. (Parêntese: em geral, é assim que nasce uma amizade: os dois se tornam amigos por aceitarem estar ambos nus, como o rei da fábula - mesmo que seja só por um instante.) Não há como ser terapeuta ou rei sem alguma impostura. Todos carregamos máscaras. Avançamos mascarados, enfeitados por mentiras que nos embelezam. Até aqui, tudo bem: essa impostura é uma condição trivial e necessária da vida social. Os melhores conhecem sua impostura e sabem que não estão à altura de sua máscara. Os piores se identificam com sua máscara. Acreditar nas máscaras que vestimos é um delírio que nos torna perigosos. Não há diferença entre o rei que acreditasse ser rei, o terapeuta que acreditasse ser terapeuta e o anjo exterminador que saisse atirando e matando, perfeitamente convencido de ser uma figura do apocalipse. Os três teriam isto em comum: acreditariam ser a máscara que eles vestem. Enfim, que Deus nos guarde de todos os que não enxergam sua própria nudez.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

BLOCO DO EU SOZINHO




















foto: Júlio Silva, fundador, tocou seu bloco do carnaval de 1919 ao de 1979.

Foi no carnaval de 1919 que Júlio Silva fundou o Bloco do Eu Sozinho", desfilando pelas ruas do Rio com uma placa que indicava este nome. O bloco era composto apenas por ele, claro, sinalizando solidão em plena folia. Certa vez em Londres, cheia de coisa pra fazer, com um monte de amigos na vibe de curtir a vida, recorri à minha melhor amiga, por skype, pra dizer que nunca tinha me sentido tão sozinha na vida. Como podia? Seu insight foi determinante dos meus momentos introspectivos que se seguiram àquela revelação, pelos meses e anos subsequentes e que hoje, acho, não me abandonam mais: "a gente nasce sozinha e vai morrer sozinha". Gênio. Aceite essa condição, humana, e você nunca sofrerá solidão.

A seguir, uma cotribuição da Lelê, mãe da PV, com o "Bloco da Solidão" (por Maysa)

Angústia, solidão
Um triste adeus em cada mão
Lá vai meu bloco vai
Só desse jeito é que ele sai
Na frente sigo eu levo um estandarte
De um amor do amor que se perdeu
No carnaval lá vai meu bloco
E lá vou eu também
Mais uma vez sem ter ninguém
No sábado e domingo segunda e terça-feira
E quarta-feira vem o ano inteiro
É todo assim por isso quando eu passar
Batam palmas pra mim
Aplaudam quem sorrir
Trazendo lágrimas no olhar
Merecem uma homenagem
Quem tem forças pra cantar
Tão grande a minha dor pede passagem
Quando sai comigo só
Lá vai meu bloco vai
Laia laia laia laia laia laia